Ely Talyuli Júnior

Advogado com ampla experiência em defesa de corporações empresariais. Doutorando em Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Milita atualmente junto aos Tribunais Superiores em Brasília. Ex-professor universitário. Ex-membro da Comissão de Direito do Trabalho e de Direito Desportivo da OAB-DF. Autor e Coautor de livros jurídicos e literários.

Socorro: “HABEAS CORPUS”!

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou de julgar o habeas corpus (HC) 1.000.000 (um milhão). Esta marca expressiva demonstra a recorrência da utilização do instituto como remédio para qualquer ato desfavorável ocorrido em um processo penal. O excesso desta ação constitucional é o ensaio que trataremos hoje.

Proteger o direito de locomoção quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder, não tem sido mais o objetivo primordial para a impetração de um HC, mitigando sua finalidade essencial descrita na Constituição (art. 5º, LXVIII). Por exemplo, o julgamento envolvendo o HC 1.000.000 pelo STJ teve como núcleo o redimensionamento da pena de um réu condenado por tráfico de drogas.

O volume de ações desta natureza tem, inclusive, provocado a convocação de reforços da magistratura federal e estadual (100 juízes temporários) para dar conta da alta demanda dos Ministros da Terceira Seção do STJ.

Com efeito, todo advogado criminalista sabe que o HC pode ser impetrado para sustentar teses de nulidades processuais e/ou revisão de dosimetria de pena, ou seja, tem viabilidade jurídica ampla para alcançar interesses não ligados especificamente à restrição imediata quanto à liberdade de locomoção.

Alguns doutrinadores sinalizam pela omissão do Poder Legislativo em regulamentar um cabimento mais específico para a utilização deste remédio constitucional. Outros defendem que algumas lacunas em nosso ordenamento jurídico têm sido suprimidas pelos operadores do direito penal através desta garantia fundamental.

O STF (Supremo Tribunal Federal) tem interpretado de forma ampliativa as hipóteses de cabimento do habeas corpus naquela Corte, permitindo que qualquer pessoa possa alcançar a Suprema Corte através do HC e ao longo do tempo os institutos do processo penal foram perdendo força com manobras processuais para obtenção de resultados rápidos, como as liminares em HCs (estratégias utilizadas pelos causídicos especialistas do Direito Penal).

Há aproximadamente um ano, foi publicada a Lei 14.836, de 8 de abril de 2024, a qual ampliou o espectro de cabimento do HC e previu que qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal.

 

O elevado volume de pedidos para que uma Corte Superior julgue HCs é o grave problema. O STJ não tem visto alternativa senão a de efetivamente reforçar sua equipe para atender tal demanda, porque foi a própria Constituição, em seu art. 105, que atribuiu àquele Superior Tribunal a competência para processar e julgar originariamente habeas corpus ou em grau de recurso ordinário.

A Constituição viabilizou um remédio que regulamenta um dos maiores direitos da dignidade da pessoa humana e a culpa, por tudo isso, não pode ser atribuída aos réus das ações penais, e certamente não é dos advogados criminalistas.

“O STJ pede socorro”, sim, é nítido, mas não porque o STF deveria adotar interpretação restritiva quanto ao cabimento dos HCs impetrados naquela Corte Constitucional; tampouco os operadores do direito deixarão de utilizar tal possibilidade como meio jurídico viável ao cidadão. Antes de uma eventual ajuda se deve respeito à opção do constituinte brasileiro pelo estabelecimento do rol de competências para aquela Corte (STJ). Ato contínuo, rendem-se homenagens ao legislador que, democraticamente legitimado, compreende que tal sistemática atende as agruras das inúmeras ilegalidades e abusos de poder advindas do sistema criminal atual.

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