A Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu no Supremo Tribunal Federal (STF) que a violência doméstica pode impedir a repatriação de crianças que viviam em país estrangeiro e foram trazidas ao Brasil por um dos genitores sem autorização do outro.
O advogado da União Rodrigo Carmona, representando a AGU, realizou sustentação oral perante o Supremo nesta quinta-feira (06/02), no início do julgamento da ação que discute a aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção da Haia).
“A gente entende que a violência doméstica, ainda que só contra a mãe, e ainda que a criança não presencie a violência, é um motivo para o não retorno da criança”, afirmou Carmona.
“Um agressor nunca será um bom pai, um agressor expõe a mãe e a criança a risco grave e provoca uma situação intolerável que garante o não retorno do menor ao país de origem nos termos da Convenção”, ressaltou o advogado da União.
A Convenção da Haia prevê como regra geral que, caso um dos genitores retire a criança de seu país de residência habitual e a leve para outro sem a autorização do outro genitor, o país para onde a criança foi levada deve determinar seu retorno à nação de onde ela foi retirada.
No entanto, a própria Convenção prevê exceções à regra geral, como a disposição de que nenhum país é obrigado a ordenar a restituição da criança se ficar provado que existe um risco grave de ela ficar sujeita a “perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável”.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7686, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pretende que a violência doméstica seja entendida como um dos motivos que autorizam a proibição do retorno da criança.
A AGU defende que para impedir a repatriação, nos termos da Convenção da Haia, é necessário que a violência seja comprovada no curso do processo judicial de repatriação da criança, tendo em conta uma perspectiva de gênero, que não exige a produção de prova irrefutável. A palavra da vítima, corroborada por outros elementos objetivos, permite a constatação do risco grave de reincidência da violência doméstica, o que justifica a decisão de não retornar o menor. A avaliação sobre os elementos apresentados como prova caberiam ao juiz do caso.
O advogado da União Rodrigo Carmona alertou durante a sustentação oral que a comprovação em juízo da situação de risco é necessária para que haja uma equiparação entre o Brasil e os demais países em relação aos critérios adotados para aplicar a exceção prevista na Convenção.
De acordo com Carmona, impedir a repatriação da criança a partir de uma alegação de violência sem que haja elementos para fundamentar a suspeita pode fazer com que os demais países participantes da Convenção entendam que o Brasil está descumprindo o acordo internacional. Com isso, os outros países poderiam passar a não mais permitir a repatriação de crianças de volta ao Brasil. Isso acontece pois nos demais países signatários da Convenção a prática é de que seja exigido comprovação da violência para que a repatriação possa ser negada.
“Se eles interpretarem que a gente não está cumprindo a Convenção, eles não vão acatar nossos pedidos de cooperação ativa e a gente não vai conseguir repatriar as crianças que estão fora do Brasil. A gente depende deles para repatriar as crianças que estão fora do Brasil”, destacou Carmona.
Na sessão desta quinta-feira, o relator da ação, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, fez a leitura do resumo do processo e ouviu as sustentações orais das partes interessadas. O julgamento será retomado em data ainda a ser definida.
Sobre a Convenção da Haia
Firmada em 1980, a Convenção da Haia estabelece um mecanismo de cooperação entre seus 90 estados-membros signatários para facilitar o retorno de crianças levadas ilicitamente a outro país. A subtração internacional de crianças acontece quando um dos genitores tira o menor do seu país de residência habitual sem autorização do outro genitor ou de pessoa que seja codetentora do direito de guarda.
A Convenção da Haia foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 3.413, de 2000. No Brasil, a AGU tem o papel de zelar pela aplicação da Convenção.
Fonte: Advocacia-Geral da União