Ely Talyuli Júnior

Advogado com ampla experiência em defesa de corporações empresariais. Doutorando em Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Milita atualmente junto aos Tribunais Superiores em Brasília. Ex-professor universitário. Ex-membro da Comissão de Direito do Trabalho e de Direito Desportivo da OAB-DF. Autor e Coautor de livros jurídicos e literários.

Pedido Juridicamente Impossível e o Caso “Bebê Reborn”: O Tiro que Saiu pela Culatra

 

Esteve em voga, nos últimos dias, um intenso debate a respeito de uma reclamação trabalhista ajuizada junto a 16a Vara do Trabalho de Salvador. Em síntese, deduziu-se pretensão de direito pelo suposto vínculo entre uma mulher e um “bebê reborn”.

O primeiro ponto que se analisa é a fabricação de uma falsa demanda. Isso porque a petição inicial não continha timbre ou outros dados de identificação; foi descoberto que a suposta empregadora reclamada estaria sem operacionalização há quase dez anos, ou seja, extinta desde 2015; incluiu-se como subscritor da peça o nome de um advogado que jamais se encontrou com a reclamante, não firmou instrumento procuratório (só constou o nome e a OAB, sem endereço ou outros dados profissionais), ele afirmou publicamente que sequer sabia o teor da referida petição; a petição inicial não apontou o valor da causa; não houve pedido de licença-maternidade (como saiu em algumas notícias), mas de salário-família retroativo; o documento de identificação da autora era uma CNH vencida; o comprovante de residência da reclamante se refere a 2019, com endereço diverso do indicado na peca inicial. Enfim, tudo demonstra um processo falsamente produzido, aliado a uma prática advocatícia extremamente abominável.

Diante da repercussão midiática que o caso alcançou, a verdadeira advogada não viu outra saída senão peticionar ao juízo requerendo a desistência da reclamatória. Na petição, no entanto, ela tentou esclarecer que a intenção era outra, no sentido de que não se postulou direito personalíssimo da autora com o objeto, mas uma pretensa rescisão indireta do contrato de trabalho motivada por suposto assédio moral sofrido pela trabalhadora (gerando argumentos contraditórios e desconexos).

No nosso entender, lançou-se uma narrativa emocionalmente apelativa e juridicamente inconsistente, porquanto não existe direito à salário-família (tampouco licença-maternidade haveria nesse caso) e tal espécie de ação implicou na banalização de institutos jurídico-legais, fomentando uma judicialização indevida (à beira da litigância abusiva).

Com efeito, “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”, segundo a terceira Lei de Newton. Houve, consequentemente, ataques de todos os lados vindo da internet, com intimidação pública e linchamento virtual (inclusive sob a ótica de se impor maiores limites ao exercício da advocacia).

No campo jurisdicional, o magistrado trabalhista indeferiu o pedido para que o processo tramitasse sob segredo de justiça, justificando que o caso não abrangeu direito fundamental à intimidade ou interesse social protegido por lei, sobretudo porque a própria advogada foi a público e em entrevista expôs sua versão (que, por sinal, repleta de inconsistências). O Juiz do Trabalho julgou extinta a ação e diante da gravidade dos atos praticados determinou a expedição de ofícios ao Conselho Seccional da OAB/BA, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, visando a apuracão de crimes de falsidade ideológica e documental.

Sábia decisão, a nosso ver, pois a Justiça do Trabalho é um órgão do Poder Judiciário que detém enorme respeito decorrente de sua atuação e decisões em prol da justiça social. Não pode esta instituição sucumbir a uma lógica da visibilidade de espetáculos produzidos pelas redes sociais, onde se premia a vitimização, a histeria social e o culto ao hiperindividualismo, em detrimento da lógica da razoabilidade, da boa-fé objetiva e da segurança jurídica.

O que se viu no presente caso foi o emblemático exemplo de uma ação “esquizofrênica” (dissociada entre o que é real e o que é imaginário…), articulada de forma equivocada ou, quiçá, premeditada à obtenção de reflexos de autopromoção, cujo “tiro saiu pela culatra”.

 

 

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